sábado, 12 de abril de 2008

Hakuna-Matata: O Direito Administrativo ou a Lei da Selva


Hakuna-Matata: O Direito Administrativo ou a Lei da Selva


Durante as férias da páscoa tive a oportunidade de ir fazer uns safaris no continente africano: uma experiência inesquecível! Lá, tive a oportunidade de ver e analisar uma diferente forma de viver. Para certos animais como os leões, elefantes ou hipopótamos, a vida é repleta de descanço e tranquilidade, não existindo qualquer tipo de regras ou imposições (apenas um interessantíssimo respeito pela hierarquia e pela supremacia do irmão mais velho, nos grupos de leões): sintetizando, os animais fazem o que querem e o que bem entendem.

Qual o meu espanto quando, voltado a Portugal, noto que algo de semelhante se verifica no nosso país. Vários políticos são, e têm sido, contratados para trabalharem para grandes empresas privadas portuguesas, situação que denuncia, segundo alguns, a falta de legislação para estas situações: por enquanto faz-se o que se quer sem olhar aos problemas jurídicos e éticos que podem causar. Mas sejamos honestos: não é algo que aconteça únicamente no nosso país, acontece em todo o mundo. Por outro lado, não estamos, nem queremos, por este meio, denunciar o quer que seja: apenas pretendemos analisar os problemas administrativos que este tipo de situações pode suscitar.

Como tal, devemos, antes de mais, salientar o porquê destas contratações. Por uma lado, os ex-políticos e ex-ministros são, de facto, na maior parte dos casos, indivíduos com grande conhecimento em determinados sectores, conhecem bem as leis que os regulam, movimentam-se bem, têm muitos e importantes contactos, daí que sejam muitas vezes chamados para cargos em empresas, públicas ou privadas, que lidem, no seu dia-a-dia com sectores onde os próprios políticos tenham já exercido a sua actividade. São sem dúvida das pessoas mais indicadas para esses cargos, já que são pessoas que dominam largamente o conhecimento do(s) sector(es) em causa. Por outro lado, as empresas são livres de contratar quem bem entenderem, e sobretudo, são livres de contratar quem acharem que está mais qualificado para o cargo. Até este ponto não parece existir qualquer problema.

Porém, por se tratar de agentes políticos, com grandes poderes e com muitos meios a seu cargo, é compreensível que surjam suspeitas sobre as suas actuações, suspeitas essas que apenas são sustentáveis por se estar a lidar com um problema que envolve dinheiros públicos e com medidas políticas susceptíveis de influenciar determinantemente a forma como vivemos. Assim, surjem vários e interessantes problemas jurídicos susceptíveis de serem analisados sob o olhar do Direito Administrativo, e em especial, sob a mira dos Princípios Constitucionais aplicáveis ao Direito Administrativo. Contudo é importante esclarecer que o problema se põe únicamente no momento em que os agentes em causa fazem parte da Administração Pública, já não quando são parte integrante das empresas que os contratam.

Em primeiro lugar pode existir um problema quanto ao respeito pelo Princípio da Prossecução do Interesse Público. O art. 266.º/1 CRP diz que “ a Administração pública visa a prossecução do interesse público [...]”. A possível existência de um acordo prévio entre certas empresas e os que têm poderes para tomar decisões ou para as influenciar (ministros, secretários de estado etc..) pode afectar tanto o interesse público “primário” como os interesses públicos “secundários” (Cfr. ver a distincção de Rogério Soares, p. 36, do livro do Prof. Freitas do Amaral). Mas não só. Esta possível promiscuidade entre entidades privadas e agentes da AP pode redundar na prossecução de interesses privados em vez do interesse público. Tal situação constitui corrupção, e é susceptível de envolver sanções de vários tipos. Ligado a este primeiro ponto está também em causa o possível desvio quanto aos deveres da AP: poderá haver aqui também uma violação do dever de boa administração exigível aos seus órgãos e agentes. Assim, estaria em causa a adopção, em certos casos, das melhores soluções possíveis do ponto de vista técnico ou financeiro: a AP não estaria a prosseguir da forma mais eficiente o bem comum, estando em clara violação dos arts. 81.º, alínea c) CRP e 10.º CPA. Contudo é possivel contra-argumentar dizendo que o dever de boa administração não é aqui sustentável por força da sua reduzida relevância jurídica. Cremos, porém, que este argumento não procede, pois, embora sendo um “dever jurídico imperfeito” por não comportar sanção jurisdicional como diz o Prof. Freitas do Amaral, ele é ainda um dever jurídico existente, com algumas consequências jurídicas derivadas da sua violação (cfr. as três expressões jurídicas que assume este dever, p. 39). Tanto mais assim é, que foi deste dever que decorreram outros que hoje em dia se acham legal e constitucionalmente consagrados, como o Princípio da Proporcionalidade e da Imparcialidade.

Em segundo lugar, a verificação deste tipo de contratações pode por em causa o Princípio da Boa Fé, nas suas duas vertentes (Tutela da Confiança Legítima e Primazia da Materialidade Subjacente). A Boa Fé em geral vem estabelecida nos arts. 266.º/2 da CRP e 6-A.º/1 do CPA. Este, é o ponto essencial já que a Boa Fé foi legalmente consagrada porque possibilita a criação de “um clima de confiança e previsibilidade no seio da Administração Pública”, sem ela “nunca se poderá afirmar que o Estado é pessoa de bem”, sendo “uma condição sine qua non da própria credibilidade das instituições públicas”. Assim sendo poderá estar-se a violar a legítima confiança que todos nós depositamos na AP, segundo a qual esta actuará segundo aquilo que verdadeiramente é melhor para nós, prosseguindo o interesse público e não interesses particulares das empresas ou até interesses dos próprios agentes. Poderá também haver da Materialidade Subjacente, uma violação daquilo que realmente são os valores em jogo, sem que haja, no entanto, uma violação das disposições jurídicas.

Finalmente, e em último lugar, poderá estar também em jogo, o Princípio da Imparcialidade, já que este impõe que “os órgãos e agentes administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações que devem decidir”. Se já existe um acordo entre empresa e agente, estar-se-á a violar este princípio em geral, e a sua vertente positiva em particular pois não se estará a ponderar todos os interesses privados equacionáveis no caso (todas as empresas privadas dispostas a realizar uma determinada obra num concurso público, por exemplo). Contudo não haverá violação expressa da vertente negativa deste princípio já que não se estará em violação dos arts. 44.º a 51.º do CPA.

Existem, de facto, já algumas leis que regulam este tipo de situações, e últimamente, tem-se assitido na Assembleia, a alguns debates sobre o assunto. O problema é complicado e as soluções nem sempre parecem as mais acertadas. Contudo, uma coisa é certa: são necessárias medidas que, sem afectarem em demasia os direitos das pessoas e das empresas a trabalharem onde quiserem e a empregarem quem desejarem, permitam proteger a efectiva prossecução do interesse público pela AP.
Se o Simba encontrou, ao lado de Timon e Pumba, um lugar maravilhoso onde o lema era “Hakuna-Matata” (“os teus problemas são para esquecer”), não deixou de perceber que, para viver feliz, precisava de encarar os verdadeiros problemas e resolvê-los da melhor forma, razão pela qual regressou a casa, também nós não devemos ter receio de tentar encontrar as melhores soluções para estes casos, ainda que possam estar em causa, e infelizmente, interesses mais poderosos, do que o interesse público.

http://www.youtube.com/watch?v=5yPjv3GP5kI

3 comentários:

Francisco Mendonça e Moura disse...

não deixar de ler o artigo "Transparência, precisa-se", p.6 do "Primeiro Caderno" do Jornal Expresso de 12 de Abril de 2008

Anónimo disse...

atenção ao português:
descanso, e não "descanço"; unicamente, e não "únicamente"; distinção, e não "distincção".....

Unknown disse...

Feel good......