quinta-feira, 20 de março de 2008

"Hospital Amadora-Sintra será entidade pública empresarial a partir de 2009"


O primeiro-ministro, José Sócrates, anunciou, ontem à tarde, na Assembleia da República que, a partir de 2009, o Hospital Amadora-Sintra, hoje entregue a gestão privada, passará, brevemente, a entidade pública empresarial (E.P.E.). Esta é mais uma das reformas do modo de agir da nossa Administração infra-estrutural, no sector da saúde, que vêm ocorrendo de há uns anos para cá e cujo expoente terá sido, em 2005, a passagem de 31 hospitais do país a entidades públicas empresariais. Defende o chefe do Executivo uma solução, a seu ver, mais eficaz: a gestão pública. As parcerias público-privadas como uma das formas de contratação pública, "são úteis para a construção; a gestão hospitalar, essa, deve permanecer pública", defende Sócrates.
Numa lógica separatista de construção privada (eventualmente) e gestão pública (ideal e necessariamente), o hospital até agora tido como paradigma a nível de gestão privada vê terminado, no final deste ano, o contrato de gestão privada (assinado em 1995 entre o Estado e a Sociedade Gestora, constituída por quatro entidades: a José de Mello Saúde, a Associação Nacional das Farmácias, a HLC e a Génèral de Santé) e passa, em 2009, a seguir o modelo E.P.E. (cujas implicações abordámos já na disciplina de Organização Administrativa), que se aplicou a vários hospitais e que, segundo Sócrates, "não significa nenhuma menorização de participação da iniciativa privada na organização e prestação de cuidados de saúde", configurando uma negação deste Executivo à possibilidade (utilizada por outros Governos, numa crítica subtil e implícita) "de abdicar da responsabilidade própria do Estado na gestão do SNS (Serviço Nacional de Saúde).
Este modelo de empresas continua a reger-se, também ele, em múltiplos aspectos, pelo direito privado (nomeadamente, Direito Comercial) , mas ficarão sujeitas a um regime de tutela, conforme previsto no Decreto-Lei 558/99, de 17 de Dezembro (artigo 29.º, v.g., a propósito da tutela económica e financeira, ainda que estas empresas não estejam sujeitas às normas da contabilidade pública).
O PS salienta a eficiência e os resultados positivos de uma "moderna gestão pública" resultante de reformas como a de 2005. Num sector particularmente melindroso, a mudança de gestão afigurou-se necessária para permitir "um maior controlo da Administração Central", já que se tem vindo a comentar algumas dificuldades de supervisão e controlo no modelo de gestão privada, especialmente num hospital que serve mais do que o dobro do número de utentes do que aquele para o qual foi criado.
Manuel Delgado, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), mostrou-se satisfeito com esta mudança.


A meu ver, estamos perante um sector "sensível" da nossa Administração Pública, que foi um dos principais consubstanciadores da época do "Welfare State" ou Estado Providência. É razoável que a mudança de Executivo e de orientação ideológica se traduza, esporadicamente, em algumas mudanças no que toca ao papel do Estado na intervenção e/ou regulação do SNS em Portugal, à semelhança do que ocorre noutros países. Contudo, perante um SNS burocratizado, lento e ineficaz, grosso modo, como o nosso, uma medida como esta não prejudica necessariamente os utentes...mas será que os beneficia? Ainda que se perceba que um Estado Pós-Social, como aquele em que vivemos, queira ainda chamar a si, pelo menos em grande parte do regime, a intervenção num sector crucial, para melhor contribuir para a prossecução do interesse público, será que esta medida contribui para a desburocratização de um sector que já neste Executivo mudou de responsável pela respectiva pasta? O intuito lucrativo de uma gestão privada não poderá contribuir, concomitantemente, para a satisfação de interesses egoístas e eficiência de prestação aos utentes, sendo esta decorrente daquele?
O artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa estatui uma norma programática de um direito à protecção e defesa da saúde, tendencialmente gratuito. É óbvio que, "tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos" não podemos ter um sistema de saúde privado in totum. Mas a tendencial homogeneização por parte deste Executivo também não resolve as dificuldades em relação aos utentes, destinatários últimos de toda a actuação administrativa. Estas mantêm-se, independentemente da titularidade da gestão.

Como já foi anteriormente referido, assistimos a manifestações várias de intervenção estatal. Na defesa, matéria tradicionalmente cara à soberania do Estado, assistimos à colaboração com os particulares (ainda que em matéria de construção); à constituição de uma multilateralidade de relações jurídicas num domínio classicamente egoísta e muito próprio . Na saúde, ainda que se siga a mesma orientação (binómio construção/gestão), temos agora um resquício de "retrocesso" à fuga para o direito privado"?


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